A cada semana deste ano surge um novo enfrentamento, seja relacionado à terceirização, à redução da maioridade penal ou ao financiamento empresarial de campanha eleitoral. É nesta conjuntura que os movimentos têm como desafio incorporarem às suas lutas a defesa do meio ambiente e dos recursos naturais, como a água. E, ao mesmo tempo, desmascararem que a crise hídrica paulista tem como responsável o governador Geraldo Alckmin. A afirmação é da secretária de Imprensa da CUT São Paulo, Adriana Magalhães, na abertura do 1º Curso de Formação de Formadores do Coletivo de Luta pela Água, realizado neste sábado (18), na zona sul da capital paulista.
Para a dirigente, há um conservadorismo que faz tentativas constantes de desmontar o estado democrático de direito e, por isso, pontua Adriana, o Coletivo de Luta pela Água tem como tarefa a construção de lutas unitárias. “O direito humano à água deve ser respeitado e a nossa tarefa é fazer o enfrentamento”.
Pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Gabriel Gonçalves explicou que, desde a década de 1970, o Planasa (Plano Nacional de Saneamento) começou a dar subsídios para que os estados fortalecessem suas pequenas empresas e regulamentassem a tarifação. “Mas o processo de construção do saneamento foi vinculado ao fundo financeiro, que era acionado por causa de questões como o aumento da população, o que gerava déficits permanentes e, nos anos de 1980, vem a crise”. Nesse período, o representante da Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo, Antônio Pedro, o Tonhão, lembrou que a disputa da década de 1980 se deu junto a outras bandeiras como o acesso a creche e o saneamento básico de qualidade. “Depois da aprovação da Constituição Federal, fomos ocupando espaços de conselhos para fazer este debate e construindo espaços nas periferias”, relembra ao citar a disputa relacionada à mercantilização da água”.
No Planasa, completa Gonçalves, constava que só as empresas da construção civil eram privadas. E, no momento de crise, nasce a questão de como que as empresas estaduais poderiam fazer a autogestão do recurso, sem quebra. “Foi daí que abriram a Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo], em 1997, para a Bovespa [Bolsa de Valores de São Paulo] e, em 2002, para a Bolsa de Nova York”.
Segundo ele, essa medida abriu um mercado maior para os capitalistas financeiros acessarem fundos públicos e valorizarem cada vez mais as suas ações.
No site do MAB, reportagem do jornalista Bruno Ferrari aponta que estimativas feitas a partir de um relatório divulgado ano passado pela Sabesp, entre 2003 e 2013, mostra que cerca de um terço do lucro líquido total da companhia foi repassado aos acionistas. Isso representa R$ 4,3 bilhões, “o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico”, aponta o texto.
Riscos à vida
A engenheira sanitarista, Erika Martins, garante que “o governo de São Paulo já culpou São Pedro pela crise hídrica, a população pelo desperdício, a irrigação e a falta de tecnologia”. Para ela, a escassez hídrica está relacionada à falta de investimentos e a falhas de gestão não assumidas pelo governo do PSDB em São Paulo.
Erika exemplifica que a média da vazão afluente (que entra no sistema) ao sistema Cantareira, de 1930 a 2014, foi de 39,1 m³/s e a vazão outorgada para Sabesp é de 31 m³/s e para a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) é de 5 m³/s. “Isso significa que o sistema tem enorme risco. Essa situação culminou com a crise da vazão que, em 2014, chegou a 8,7 m³/s”.
Diante desses e de outros dados, Erika ressalta que o governo não respeitou o princípio da precaução, pela ausência de providências, o que coloca a população em risco. Para ela, a falta de água suficiente no sistema público pode levar a população a procurar alternativas, em locais onde a água não seja potável. “Isso pode desdobrar em riscos de doenças como disenteria, hepatite A, febre tifoide e até mesmo a cólera”, diz. No dia 16 de julho, reportagem do El País Brasil divulgou que “casos de diarreia aguda tiveram um aumento importante no Estado de São Paulo em 2014, associado à crise hídrica”. Segundo a matéria, quem faz esta avaliação é o próprio Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), órgão da Secretaria Estadual de Saúde, ligado ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB).
O coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e assessor da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva, destaca que nos dias 20 e 21 de agosto haverá uma audiência sobre a crise hídrica no estado de São Paulo, convocada pelo Ministério Público Estadual (MPE). “Ali haverá a possibilidade de fortalecimento da unidade entre os vários movimentos e entidades que atuam no tema. Ao mesmo tempo, é importante a abertura que o MPE nos dá de aprofundar a judicialização da escassez hídrica, incorporando à pressão popular”.
Sentindo na pele
Gabriel Gonçalves, do MAB, avalia que o direito da população há muito tempo é vilipendiado. “Na zona leste onde moro, às 19h já não dá para fazer arroz com a água da torneira. Você começa a fazer uma espécie de cisterna na geladeira com garrafas pet”, exemplifica.
O estudante de jornalismo, Bruno Martins, é morador do município de Santa Isabel. Ele relata que a crise hídrica começou a se acentuar na região por volta de agosto de 2013, especialmente nos bairros altos. “Morava no bairro Vila de Guilherme e a água era cortada às 10 horas da manhã, mas só voltava na parte da noite ou de madrugada”, conta.
Bruno, que está no último ano do curso, hoje escreve um livro-reportagem sobre a crise hídrica e a omissão do governo de São Paulo. “Em períodos de crise, a população de Santa Isabel chegou a sair até as bicas do centro da cidade com galões de água para conseguir o mínimo necessário. À noite se formavam até mesmo filas nesses locais”.
Para Erika, a população deve reservar água em caixa d’água, fazer cisternas para água de chuva, utilizar poços e nascentes e fazer o controle social.
Também de Santa Isabel, o presidente Jair Simão, da Associação dos Pescadores Amadores de Santa Isabel África Nilo, apresenta outro problema. “O governo de São Paulo quer fazer a transposição do reservatório Jaguari para a Bacia do PCJ. Se ele fizer isso, sem a construção de uma barragem próxima ao nosso município, ele deixa a cidade sem nenhuma gota d’água”.
Segundo Jair, a associação protocolou, em 11 órgãos, um abaixo-assinado de 6.654 assinaturas contra o projeto de interligação do governo.
Distorção da realidade
A jornalista Fernanda Ortero apresentou de forma analítica manchetes da grande imprensa para explicar a manipulação do fatos no ano passado quando a crise hídrica começou a se acirrar. O contraponto, segundo ela, se deu por meio de reportagens produzidas pela mídia alternativa em espaços como a internet.
Nos primeiros meses, explicou, as chamadas negavam a crise no estado de São Paulo. Em junho de 2014, a tendência da imprensa tradicional era de generalizar o problema afirmando que a crise era de todo o Brasil, não específica.
Em ano eleitoral, Fernanda demonstrou como manchetes de alguns veículos chegaram a tratar o assunto de forma subjetiva para dar o recado ideológico. Um dos jornais mostrou que na Califórnia, nos EUA, a multa para quem desperdiçava água naquela região era de R$1.000. Para a jornalista, tendências como esta tiveram como objetivo reforçar que a culpa da crise era de fato da população paulista, não de gestão do governo de São Paulo.
O ativista do Coletivo de Luta pela Água, Hamilton Rocha, reforçou a blindagem de Alckmin, em aliança com os meios tradicionais, e a luta na comunicação como estratégia central. “Temos que utilizar as mídias alternativas para divulgar as lutas que estamos realizando, produzir conteúdo, mas fazer a distribuição disso em uma ação coordenada entre os movimentos sociais”, propôs.
Fonte: CUT