Mostrar as faces da desigualdade e apresentar ideias em busca da justiça social. Foi com esse propósito que nasceu Niara, personagem criada pelo cartunista Renato Aroeira, uma adolescente negra cheia de reflexões e que explica, de forma didática, as distorções na cobrança de impostos no Brasil.
Niara, que no idioma suaíli, falado no leste da África, significa “aquela que tem grandes propósitos”, é a mascote da campanha Tributar os Super-Ricos, lançada por 70 organizações brasileiras.
A iniciativa propõe medidas urgentes como a diminuição de impostos para os mais pobres e para as pequenas empresas, com taxas de tributação maiores para aqueles que possuem altas rendas e grandes patrimônios.
Segundo Aroeira, a concepção da personagem levou em conta a representatividade e, por isso, carrega as características da maioria da população brasileira: é uma pessoa do sexo feminino e negra.
A ideia é que as questões sejam apresentadas de maneira leve por Niara, dialogando com crianças e adultos ao mesmo tempo. As tirinhas de Mafalda, criação do cartunista argentino Quino, e Armandinho, criado pelo ilustrador Alexandre Beck, por exemplo, são grandes inspirações, pois os personagens dialogam com leitores de diferentes faixas etárias.
“É a lógica reta e curta, objetiva. E por isso acaba funcionando muito bem. São personagens que trazem o universo dos adultos para a voz das crianças. Elas gostam e os adultos se maravilham”, explica Aroeira.
Ele acrescenta que há um conselho editorial formado por diferentes profissionais para elaborar os roteiro das tirinhas e desenvolver a personagem. São eles Katia Marko, Stela Pastore, Rosilene Corrêa, Maria Regina Paiva Duarte e Dão Real Pereira dos Santos
Até o momento, sete tirinhas já foram publicadas.
Segundo o cartunista, há uma grande preocupação com a forma e com o conteúdo que está sendo transmitido. São usados textos objetivos e claros, apresentados de uma forma didática, sem misturar os assuntos para não confundir o público.
Em uma das tirinhas, por exemplo, Niara fala sobre os impostos indiretos e abre uma conversa com o leitor.
Após detalhar a disparidade entre pobres e ricos, ela explica a importância da arrecadação da verba para a execução de serviços públicos, sem deixar de lado a justiça fiscal: que quem ganha mais, deve pagar mais.
Aroeira diz ainda que a questão da tributação dos super-ricos não é o único tema diretamente abordado. As estruturas que tornam as reformas urgentes, principalmente em meio à pandemia, também ganham destaque.
“À medida que estamos fazendo percebemos que temos que falar mesmo sobre a desigualdade, que é a grande razão para se tributar os super-ricos. É o aumento contínuo e permanente do fosso entre as pontas da sociedade”, afirma.
Em outra tirinha, por exemplo, a personagem conversa com um amigo sobre Robin Hood, que tirava recursos da nobreza para distribuir entre os pobres explorados.
Ainda que a personagem tenha sido lançada em dezembro, já está sendo usada como material para preparação de aulas nas escolas brasileiras.
Aroeira comenta que a arte, com seu potencial revolucionário, é muito eficiente para transmitir conceitos e desmistificar narrativas construídas pelo neoliberalismo, como, por exemplo, que os impostos são instrumentos de um Estado corrupto.
“Tudo que existe, da pracinha até o SUS, é pago com imposto. Imposto não é errado. O errado é só pobre pagar imposto. Isso que é um absurdo. Quanto menos dinheiro você tem, maior a porcentagem do que se paga”.
A campanha
A campanha Tributar os Super-Ricos gira em torno de oito propostas de alterações legislativas que foram apresentadas ao Congresso Nacional em agosto do ano passado. Os projetos permitem que o Brasil arrecade R$ 300 bilhões ao ano tributando apenas 0,3% mais ricos – 59 mil pessoas de um total de 210 milhões de brasileiros.
A campanha ganhou força com a adesão de mais de 70 organizações que se engajaram para disseminar o debate. Entre elas o Instituto Justiça Fiscal, Auditores Fiscais pela Democracia, os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), entre outros.
Além da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) sobre riquezas de pessoas físicas que ultrapassam R$ 10 milhões, a articulação defende a correção das distorções do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com a revogação da isenção dos lucros e dividendos e o fim da dedução de juros sobre o capital próprio.
A criação de uma nova tabela de alíquotas progressivas e a elevação do limite de isenção para baixas rendas são outras propostas elencadas assim como a elevação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos setores financeiro e da extração mineral.
A campanha também propõe a criação da Contribuição Sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR) sobre rendas anuais acima de R$ 720 mil.
Acesse as principais propostas da campanha aqui.
Edição: Rogério Jordão