Formada em Engenharia de Alimentos na UNESP (1988), mestre em Ciência de Alimentos na USP, especialização incompleta na FGV em Marketing e atualmente doutoranda em Engenharia de Alimentos na UNESP. Em sua atuação político classista, lutou pela defesa da Engenharia de Alimentos. Por dois mandatos, foi presidente da Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos – ABEA, atuou ainda como conselheira e diretora do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia dos Estados da Bahia (CREA-BA) e São Paulo (CREA-SP). Desde 2003, atua como vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge BA), engajada na defesa dos direitos dos trabalhadores engenheiros. Em 2008, tornou-se diretora da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e passou a desenvolver atividades que visam à ampliação da participação feminina nas instâncias de decisão da Fisenge e dos sindicatos filiados. Na área técnica, contribuiu em alguns mandatos como conselheira e diretora da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA). Na área profissional, possui experiência em indústrias do setor de alimentos e de aromas. Desde 2003, é pesquisadora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), na Bahia, atuando nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, com ênfase no aproveitamento de matérias primas do semiárido baiano e otimização de processos tradicionais.
1. Você percebe que tem aumentado o número de engenheiras no mercado?
Apesar da predominância ainda ser masculina, é notório o aumento da presença feminina na Engenharia. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), baseando-se em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho, em 2003, no Brasil, as engenheiras eram 16,8% do mercado e recebiam 70% do salário pago aos homens; em 2013, passaram para 20,6% e a diferença na remuneração caiu para 21%. Um resultado melhor do que a média das profissões universitárias (62%). Houve expansão no emprego para a categoria acima da média nacional, e a inserção feminina superou a masculina, em termos relativos – a primeira foi de 128%; a segunda, 77%. Ainda assim, percebe-se uma maior participação das mulheres em engenharias tidas como mais tradicionais, a exemplo da engenharia civil.
2. Como você sente essa questão na Universidade?
Na UEFS esta relação é equilibrada.
3. Em sua opinião, as famílias têm apoiado essa decisão das mulheres em abraçar a engenharia ou ainda existem resistências por parte dos parentes das candidatas?
Na Engenharia de Alimentos, curso que ministro aulas, existe um grande apoio das famílias para que as mulheres sigam a profissão. Creio que isto se deva ao fato de ser uma área de atuação de fácil projeção para as famílias, talvez por se tratar de uma Engenharia que processa alimentos, matéria prima que diariamente é transformada nos lares brasileiros em pequena escala. Ou mesmo pela ampla presença das mulheres nas áreas industriais dos setores de alimentos, químicos ou cosméticos. É interessante observar que nos cursos de engenharia da modalidade Química, tem sido uma constante, nos últimos anos, a participação equitativa entre homens e mulheres.
4. Você acha que a mulher tem algumas características que favorecem o trabalho engenharia? Se sim, quais?
Não existem características diferenciadas para o exercício da engenharia. A diferença está no perfil individual desenvolvido pelos (as) profissionais ao longo de sua carreira ou de seu curso de graduação. A Engenharia é uma profissão que requer, além dos conhecimentos técnicos específicos, uma visão de planejamento, gestão, controle e inovação. Àqueles que ingressam nessa área de formação serão exigidos um alto nível de conhecimento matemático e de lógica, e também habilidades nas áreas de comunicação e negociação estratégica. Ou seja, a garantia da ocupação dos espaços pelas engenheiras no mercado de trabalho está relacionada às pessoas preparadas para tomada de decisões técnicas rápidas e precisas.
5. Dentro das empresas, você acha que ainda existe preconceito contra a mulher engenheira?
Algumas pesquisas revelam que as mulheres possuem alguns anos a mais de estudo do que os homens, indicando que tecnicamente estão mais bem preparadas para atuarem no mercado de trabalho. Mas existem dificuldades dessas profissionais terem ascensão nas empresas. Em dezembro de 2014, a Exame.com divulgou um estudo do Instituto de Pesquisa do Banco Credit Suisse feito com 28 mil líderes, de 3 mil empresas, em 36 países. Segundo o estudo, as mulheres em cargos de chefia são minoria em todas as áreas das companhias. No mundo, elas ocupam apenas 13% da alta liderança. No Brasil, não chegam a 10%. Quando alcançam o topo, grande parte dessas profissionais ocupa cargos considerados de apoio, como recursos humanos, comunicação, jurídico e contabilidade. Acredito que o preconceito é agravado pela falta de uma cultura de compartilhamento das tarefas domésticas e familiares, de forma equitativa, entre o casal. Por esse motivo, a maternidade, em muitos casos, se mostra uma ameaça a carreira profissional da mulher. Não temos ainda políticas públicas que permitam ao cônjuge participar mais ativamente da criação dos filhos. Na Alemanha, por exemplo, é facultado a um dos cônjuges, o afastamento total ou parcial, pelo período de até dois anos, após o nascimento da criança, visando acompanhar seu desenvolvimento, com garantias de retorno ao trabalho ao final deste período. Em muitos casos, são os homens que temporariamente se afastam de suas atividades. No Brasil, esta cultura de divisão de tarefas ainda não esta consolidada nas famílias.
6. A questão salarial é um problema ou já existe uma equiparação por parte das empresas?
A questão salarial ainda é um problema. É comum as mulheres ganharem 30% a menos do que os homens, ocupando os mesmos cargos. Ao longo de décadas, as mulheres se limitaram à ocupação de espaços privados. Para disputarem e ocuparem os espaços públicos, absorveram a conhecida “dupla” e, às vezes, “tripla jornada de trabalho”. Normalmente, têm o salário reduzido diante da baixa credibilidade de sua capacidade de gerenciar as atividades profissionais e pessoais. Por isso, enfrentam o desafio de desenvolver práticas de negociação que forcem as empresas a valorizarem seu perfil de profissional responsável.
7. As duas campanhas nacionais lançadas, em 2014 e 2015, pelo Coletivo de Mulheres da Fisenge e pelo Senge BA abordaram o tema Assédio Moral. Qual a importância de evidenciar esse assunto?
O assédio moral são atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho. A conduta abusiva pode se dar por palavras, gestos e demais comportamentos que podem causar danos à personalidade, dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa. Os “alvos-preferenciais” são justamente as tidas minorias sociais: mulheres, homossexuais, negros, portadores de necessidades especiais, pessoas de crença religiosa ou etnias diferentes. Situações de assédio moral são mais recorrentes do que se imagina. Uma delas até já abordamos aqui nessa entrevista: mulheres com salários inferiores a dos homens, mesmo exercendo a mesma função e com igual qualificação. Assim como a restrição com grávidas, mulheres que têm filhos e que são casadas. Ou mesmo limitações ao uso de sanitário e revistas vexatórias. Essa última foi tema do projeto de lei de autoria da deputada federal Alice Portugal, aprovado no Senado Federal, em março deste ano. A questão é que não há no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação específica sobre o assédio moral. Inexiste um conceito legal acerca do tema. Por isso é essencial que as entidades sindicais falem sobre Assédio Moral contínua e amplamente. Todo dia é dia de luta por direitos das mulheres profissionais.
8. Você tem notado uma maior participação das mulheres nas entidades de classe? Você própria milita ou militou em alguma entidade de classe?
Nas entidades sindicais da engenharia, podemos observar que houve um aumento significativo de mulheres em diversas instâncias deliberativas. Nos últimos congressos estaduais e nacionais da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – Fisenge observamos uma evolução quando saímos de uma participação inferior a 10%, em 2008, para 33%, em 2014. Esta conquista foi fruto da revolta feminina organizada, descontente com a sua baixa participação na diretoria executiva da entidade e com a falta de políticas institucionais que incentivassem a sua atuação sindical. Em 2008, durante o Congresso Nacional da Fisenge, conseguimos aprovar uma moção garantindo minha participação, ainda que recém-eleita diretora suplente, na qualidade de diretora responsável pela reforma do Estatuto da Entidade. Contamos com o apoio de alguns colegas progressistas, como o engº Ubiratan Félix, presidente do Senge BA. O objetivo era a criação da Diretoria da Mulher e o planejamento e estruturação do Coletivo de Mulheres da Fisenge, formado por representantes dos sindicatos filiados. Em 2011, sob muita pressão, conseguimos estabelecer, em Estatuto, a obrigatoriedade do planejamento de ações conjuntas entre a Diretoria da Mulher e a Diretoria de Negociações Coletivas, visando à inserção de cláusulas que garantam os direitos das mulheres nos acordos coletivos. Essas políticas de incentivo à participação feminina evidenciaram a necessidade de um ambiente sindical mais direcionado à família.
9. Faça suas considerações finais sobre esse tema
Apesar dos direitos já conquistados que garantem participação das mulheres na vida pública, a maioria com menos de 100 anos, como é o caso do direito ao voto feminino, ainda temos muito que fazer para que as profissionais possam exercer plenamente sua profissão sem abrir mão dos momentos com amigos e familiares, que são a essência de nossa vida. No âmbito da engenharia, ainda precisamos desmistificar a participação das mulheres, por exemplo, nos sindicatos, que podem servir como uma excelente escola de negociações para que os obstáculos da vida profissional sejam mais facilmente enfrentados. Em breve, estaremos realizando alguns eventos de formação para esclarecimento sobre Assédio Moral e Sexual e a instalação de um Coletivo das Engenheiras na Bahia para que possa contribuir o fortalecimento e empoderamento das mulheres baianas.
Fonte: Senge-BA