As medidas tomadas pelos governos americano e europeus, injetando trilhões de dólares para recapitalizar os bancos, serão suficientes para restabelecer os fluxos de crédito?
Não. Mas afastaram o colapso do sistema financeiro ao garantirem que nenhum banco grande vai quebrar. O que está acontecendo no mundo inteiro é que os governos injetam dinheiro e os bancos não o fazem circular. No caso europeu, vão botar interventores nos bancos que estatizaram e vão intervir. Mas, os Estados Unidos não têm essa tradição. Em 1930, estatizaram os bancos, mas o pessoal não está com medo de 1930. Os americanos são ultraliberais e o Paulson [ Henry Paulson, secretário do Tesouro] era homem de banco de investimento. Ao invés de o governo americano penalizar os gestores desses bancos pela desordem financeira, entregaram os recursos a esses mesmos gestores. O que acha que o governo dos Estados Unidos deveria fazer? O crédito nos Estados Unidos está congelado. O Fed ( Banco Central americano) está até descontando duplicatas. No mínimo, o que deveria ser feito é demitir os gestores desses bancos, comprar a maioria das suas ações [51%, em vez de 25%] e passar a gestão para a competência do Fed e do Tesouro. Mas essas autoridades monetárias não são brilhantes e só fizeram bobagem. Quem tem culpa dessas bolhas é o Greenspan [Alan Greenspan, ex-presidente do Fed]. Ele só dizia “é uma bolha” e falava da irracionalidade dos mercados no sentido moral, como se eles fossem racionais. E não fazia nada para impedir que elas explodissem. Acho que as autoridades econômicas americanas são de Wall Street. Esta é a grande diferença da crise atual para a de 1930.
Mantida a situação, pode vir recessão?
Pode acontecer recessão nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, pois o crédito é o motor do capitalismo. Acredito que quem sofrerá mais com a recessão serão os Estados Unidos.
E como isso impacta os países em desenvolvimento, em particular o Brasil?
Tirando a Rússia, não vejo [no grupo dos Brics] Brasil, China ou Índia entrando em recessão. A Rússia está mal parada porque depende do petróleo. Mas o resto pode diminuir dois pontos percentuais nas taxas de crescimento, mas acho que estão blindados da recessão até o fim de 2009. Para adiante não se enxerga mais nada. Tudo dependerá do que acontecer no ano que vem com os países desenvolvidos.
O que pode afetar mais o Brasil?
Crédito e câmbio. Os fundamentos do Brasil são bons e pela primeira vez vamos atravessar uma crise sem problemas no balanço de pagamentos e na dívida [externa]. A origem do nosso problema de crédito foi a disparada do dólar, por causa da fuga dos investidores estrangeiros da bolsa e dos problemas dos derivativos de câmbio sobre grandes empresas “compradas”, como Aracruz, CSN e Votorantim. Todas envolvidas na brincadeira dos derivativos, que acabou levando os bancos a perderem dinheiro. Foi por aí que começou nosso aperto de crédito.
Como assim?
Não tínhamos nenhum problema no setor imobiliário, nenhum problema nos bancos. Eles não estavam metidos em operações lá fora. Não especularam lá fora. Mas, aqui, o pessoal fez o favor de especular em derivativos de câmbio, uma montanha de derivativos-fantasmas. Se fosse só hedge, quer dizer, se nossos exportadores grandes – estou falando de Sadia, Votorantim, CSN; parece que tem mais uns 200 exportadores, mas de porte menor -, tivessem feito apenas hedge para se protegerem da flutuação do câmbio, tudo bem. Isso é um derivativo normal com um câmbio tão instável quanto o nosso. Mas apostaram contra o dólar, a favor do real, não entendo por quê. Por que acharam que o BC ia continuar ortodoxo? E acharam que não iam contaminar o mercado com os derivativos. Tanto que Sadia e Votorantim perderam dinheiro. Eles têm banco também deles, mas não adiantou. A Votorantim fazer uma dessas, o pai da pátria, o maior empresário nacional. Dizem que o Antonio Ermírio não sabia de nada, mas o gerente de câmbio, para variar, é um desses meninos de gravatinha, totalmente especulativos. Como se entregou o departamento de câmbio de uma empresa daquele tamanho para irresponsáveis, o resultado foi esse.
E o Banco Central, como agiu?
Tinha que intervir quando o dólar chegou a US$ 1,80. O contrato de recompra entre as empresas e os bancos rezava que, quando chegasse a esse patamar, o banco podia recomprar a operação. Mas o dólar passou de US$ 1,80 e as empresas exportadoras, para não irem ao diabo, tiveram que comprar, para não ficar a descoberto, e pressionaram o mercado, levando ao “overshooting”.
O que o Banco Central deve fazer diante do aperto de crédito?
Vai ter que apertar os bancos, que estão sentados na liquidez e empoçando o crédito para empresas, como acontece no resto do mundo. Os bancos brasileiros, apesar de sólidos, não estão emprestando. Se o BC está dando redesconto e diminuindo o compulsório, está dando liquidez para eles, mas eles ficaram assustados com os derivativos e estão empoçados. Então, o BC já deu a cenoura para eles e está na hora de aplicar o “stick” [porrete]. Se não emprestarem para empresas boas, o BC tem que dar o aperto de novo. O BC tem que brigar com o mercado, pois nossa circulação financeira está entupida. Quanto mais entope, maior é o risco de se ter um trauma. Tem que intervir no mercado de crédito para não permitir que a economia capote.
E o dólar, pode ter nova disparada?
Batemos o recorde mundial de fazer um “overshooting” do dólar por pura especulação das grandes empresas com o câmbio. O pior, acho que já passou, pois as outras empresas envolvidas nesse negócio são menores. Mas, é preciso ficar de olho no câmbio. Se tiver outra disparada do dólar, pode dar problema. Mas o que me preocupa no momento é o BC não deixar a flutuação do câmbio ter intervalo acima de 5%, para cima e para baixo. É complicado para a formação de preços para as exportações e importações. Crédito à exportação depende da taxa de câmbio. Tem que intervir vendendo direto no mercado.
E a taxa de juro?
É preciso recomendar ao Copom para não subir o juro a esta altura do campeonato. Se fizer alguma coisa, o melhor é baixar. De um modo geral é bom dar uma parada. As tendências mundiais são de deflação e não de inflação.
Fonte: Valor Econômico (17-10-08).