Crise propicia reflexões sobre novo modelo de desenvolvimento

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Co-presidente do conselho de administração da Natura, Guilherme Leal acredita que a crise financeira mundial abre uma boa oportunidade para o planeta repensar o modelo de desenvolvimento e buscar uma forma de crescimento que reduza a dilapidação dos recursos naturais. “Há uma crise mais grave em curso, a do meio ambiente, e não podemos deixar que, a exemplo desta, ela se torne inevitável”, afirma o empresário nesta entrevista.

Por Sergio Lirio

CartaCapital: Por que o senhor acredita ser este um momento propício para se debater um outro modelo de desenvolvimento?
Guilherme Leal: O momento é emblemático. Todo o sistema financeiro, o modelo de expansão econômica, de regulação que vigorou nos últimos dez, quinze anos terá de ser reconstruído. É um momento de escassez de recursos. Portanto, se é necessário repensar este modelo, por que não ir além? Por que, em vez de pensar apenas em recuperar a liquidez do mercado, não se aproveita para uma discussão sobre o modo como o mundo tem se desenvolvido? Não está ultrapassado, não precisa ser substituído por um que encontre maneiras mais inteligentes e sustentáveis? Precisamos aproveitar algumas lições da situação atual para lidar com uma crise mais dramática que se desenha.

CC: Quais lições?

GL: A crise financeira foi cantada e decantada faz muito tempo. O desenvolvimento mundial, e principalmente dos Estados Unidos, estava baseado no pressuposto de que os preços dos ativos, dos imóveis, continuaria a crescer ad infinitum. Ora, até os mais ingênuos sabiam que isso era impossível. É óbvio que a prosperidade mundial permitiu a muitos saírem da linha da pobreza na China, na Índia, na América Latina, mas isso provocou também uma pressão absurda sobre os recursos naturais. E esta crise, a do esgotamento do planeta, vem sendo literalmente empurrada com a barriga. E, como esta que vivemos, também vem sendo anunciada há muito tempo. Temos de impedir que se torne inevitável.

CC: Crescimento sustentável significa necessariamente crescimento menor, não?

GL: Há uma diferença entre crescimento e desenvolvimento sustentável. Padecemos globalmente do vício do “crescimentismo”. Sei que crescer é um vetor importante para reduzir as desigualdades, mas defendo a necessidade de se aprofundar uma discussão sobre formas de melhorar o nível de vida das pessoas sem que isso dependa exclusivamente de uma exploração insana dos recursos naturais. Encontrar formas de conciliar objetivos de bem-estar com os de preservação da vida para as próximas gerações. Nos últimos 150 anos tiramos bem mais do planeta do que ele tem capacidade de regenerar. Por isso, a celebração do crescimento dos últimos dez, quinze anos, o espanto em relação aos resultados da China, por exemplo, é alienante. Não é sustentável, como se vê agora. Há tecnologia disponível para se estabelecer um novo padrão de organização social que possibilite o uso mais eficiente dos recursos naturais que sobraram. Além disso, a inventividade humana, tenho certeza, será capaz de encontrar novas soluções. É uma questão de opção.

CC: Por falar em opção: como equilibrar sustentabilidade e a necessidade irremediável de incluir milhões de miseráveis na América Latina, Ásia e África?
GL: Confesso que não tenho uma resposta clara. Mas estamos em um ponto em que o Estado está sendo obrigado a intervir para impedir que o mundo entre em recessão profunda. Concorda-se que é necessário fazer algo, certo? Mas qual a forma de reanimar as economias? Devemos investir em velhas tecnologias dependentes de petróleo? Nossa agricultura precisa ser estimulada por fertilizantes fósseis? Pensar em um novo modelo de desenvolvimento tem o poder, inclusive, de gerar novos empregos. É como uma frente contra a seca. Ela, ao mesmo tempo, alivia a vida dos afetados pelo problema e permite a criação de postos de trabalho. Não falo de apenas se pensar em tecnologias ultramodernas, de como substituir a gasolina por hidrogênio. Falo de arranjos sociais, de projetos de preservação do meio ambiente, de conservação de energia, de produções agroflorestais integradas. Existem muitas experiências bem-sucedidas, por isso não acho que haja uma resposta pronta. A pergunta é: queremos persistir em um modelo falido ou devemos nos abrir a experimentos que possam levar a novas respostas?

CC: O senhor acha que esta mudança precisa ser tomada conjuntamente entre os países ou uma nação como o Brasil, de importância periférica na economia mundial, pode buscar um novo modelo, mesmo que os demais não o façam?

GL: Creio piamente que o Brasil está diante de uma oportunidade significativa. O mundo está mudando. Os Estados Unidos continuarão a ser o grande player, mas desenha-se uma geopolítica mais multipolar. Há, inclusive, a expectativa de exercer nossa liderança entre os emergentes. Há então um espaço político onde podemos atuar. Além disso, percebeu-se que vantagens comparativas são importantes, e o Brasil as tem em muitas áreas. Solo, área agriculturável, minério, clima, água. E temos uma diversidade cultural só comparável à dos Estados Unidos, que é o grande exemplo de sucesso do planeta. Qual o nosso problema? Não sabemos o que seremos no futuro, falta um projeto. Não vejo ninguém preocupado em pensar isso, nos governos, nos partidos políticos, na elite. Nosso modelo de desenvolvimento baseia-se pura e simplesmente na exportação de commodities sem valor agregado. Isso não é geração de renda, é exportação de patrimônio. Não espero que o clamor por mudanças parta dos meios tradicionais da política, mas da sociedade. Não estou dizendo que a transição é fácil. O Brasil ainda enfrenta problemas, como a precária infra-estrutura, que outros países já superaram faz tempo. Mas não acho excludente continuar a desenvolver o País a partir de um outro modelo.

CC: Como o Brasil deve lidar com a Amazônia? Ela é um problema exclusivamente nosso ou deveríamos nos abrir para uma discussão sobre gestão compartilhada ou outros tipos de apoio internacional?
GL: O Brasil detém 60% da floresta. Sobre esta parte, cabe a nós gerir. Mas não adianta ser xenófobo, recusar críticas, sugestões ou propostas de auxílio. Rejeitar que se faça um debate internacional sobre a Amazônia é uma forma de esconder nossas responsabilidades. O Ignacy Sachs (economista) acredita que a Amazônia pode ser um belíssimo laboratório para as biocivilizações do futuro. Concordo com ele. O Brasil tem de conseguir pensar uma forma inteligente de exploração da Amazônia.

CC: Não é razoável, por exemplo, ter gado na floresta.

GL: O gado é um dos grandes problemas. Na Amazônia, a pecuária extensiva é uma frente de desmatamento seriíssima. Não há sentido permitir mais desmatamento. E o que já foi aberto deve ser usado, preferencialmente, para o plantio.

CC: Dá para redesenhar uma metrópole como São Paulo?
GL: O tema da sustentabilidade está claramente ligado ao destino das grandes metrópoles. No Brasil, não há uma coordenação dessas áreas urbanas profundamente interligadas. Elas ficam meio ao sabor dos ventos. Veja a questão do transporte. Toda a lógica está voltada para o estímulo do transporte individual. Aliás, fico arrepiado ao ver todo esse dinheiro despejado para auxiliar a indústria automobilística. Por mais que se precise de empregos, por mais que se celebre o crescimento fantástico do setor, não consigo ficar satisfeito. Dá para ficar contente com o fato de que 100 mil novos carros são incorporados por mês à frota de São Paulo? Não é possível imaginar algo mais inteligente do que umas latinhas fumegantes que poluem e te deixam aprisionados em engarrafamentos cada vez maiores?

Esta entrevista foi parcialmente reproduzida.  Fonte Carta Capital (www.cartacapital.com.br)