Durante o Fórum Social Mundial, os presidentes Hugo Chaves (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) se reuniram com movimentos sociais à tarde, num encontro fechado ao público. O presidente da Fisenge, Carlos Bittencourt, participou da reunião que teve como objetivo apresentar aos principais presidentes de esquerda da América Latina as demandas dos movimentos sociais, atualmente criminalizados pela direita.
O encontro, que ocorreu em clima amistoso e descontraído, serviu para aproximar os presidentes da realidade vivida pelos movimentos sociais. Foi realizada também uma troca de experiências entre os movimentos sociais brasileiros e dos países vizinhos.
Antes do início da reunião, Correa disse que sem integração os países da América Latina não serão capazes de enfrentar a crise. “É muito interessante que todas essas propostas sobre um novo sistema estejam sendo discutidas no fórum. Mas a solução passa pela integração dos povos da América Latina”. Todos os presidentes se comprometeram a apoiar as lutas sociais e populares em busca de maior justiça social.
10 mil em discurso de presidentes
À noite, os presidentes foram recebidos por cerca de 10 mil pessoas, das quais 3 mil eram indígenas, no Hangar – Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. Evo Morales foi o primeiro dos presidentes a discursar. Morales saudou o público presente e parabenizou o FSM pela busca de alternativas ao neoliberalismo. “Eu sou produto da luta de vocês. Para mim não há nada mais importante que governar com os movimentos sociais, com os humildes”, afirmou.
Morales falou sobre a recente mudança na Constituição Boliviana que devolveu aos povos indígenas os direitos roubados. “Depois de 500 anos os direitos dos indígenas são reconhecidos. 80% da população bolivariana está sendo beneficiada”, disse. Sobre a eleição de Barack Obama, o presidente disse que o novo governo deve se traduzir numa relação de respeito e igualdade entre os Estados Unidos e o mundo.
O socialismo do século XXI
O presidente equatoriano Rafael Correa destacou algumas diferenças entre o “socialismo do século XXI”, que compartilha com seu colega venezuelano, e o “socialismo tradicional”. Uma delas é a “justiça de gênero”, o fim da discriminação da mulher, e citou o exemplo do Equador, que igualou os salários de funcionárias e funcionários.
O presidente equatoriano disse que o socialismo do século XXI já existe e reconhece a supremacia do trabalho humano, defende a vida e o valor social dos ecossistemas. “Um modelo alternativo já existe na América Latina e poderá avançar muito com a integração regional”, disse Correa.
“Caminhando e cantando”
Fernando Lugo, do Paraguai, devido à presença de Lula, evitou falar especificamente sobre o desgaste diplomático devido às altas tarifas cobradas do governo brasileiro à usina da Itaipu, que é binacional. Mas destacou: “Temos as maiores riquezas nacionais, os melhores recursos, os maiores rios, mas nos falta capacidade de articulá-los de forma justa para todos”, alfinetou.
O presidente paraguaio disse que os povos não podem se acomodar diante do “sistema que nos rouba a terra, que envenena o ar, destrói os recursos”. E despediu-se citando a famosa frase da música de Geraldo Vandré: “Caminando y cantando y seguindo la canción”.
Um novo mundo nasce na América Latina
Hugo Cháves iniciou seu discurso dizendo que “não há instância mais importante no mundo que o Fórum Social Mundial” e que o momento atual é tão oportuno para se discutir alternativas ao sistema que se impõe quanto o da criação do FSM, em 2001. “Nosso continente foi arrasado na década de 90. Recebemos a maior dose de veneno neoliberal, mas este também foi o território que mais movimentos sociais se organizaram num processo de troca”, afirmou.
Chávez, citando o slogan do encontro, disse que acredita que um novo mundo é possível porque ele está nascendo na América Latina. “Estamos aqui de pé e dispostos a decidir os rumos que queremos para nosso continente. Se não matarmos o capitalismo ele matará os povos. O socialismo do século XXI é o socialismo da América Latina, nascido dos movimentos sociais”, disse.
Avanço histórico
O presidente Lula foi o último a falar e o mais ovacionado pelos presentes. Ele disse que embora sejam criticados por muitos, os governos da América Latina de hoje são democráticos. “Podemos reclamar dos nossos governantes, mas até bem pouco tempo atrás os que ousaram não concordar com o regime foram torturados e mortos. O que vivemos hoje é resultado de muitas mortes de jovens que sonhavam fazer parte do que conseguimos construir hoje”, disse Lula, afirmando que “inegavelmente houve um avanço histórico na América Latina”.
Lula disse que a crise econômica global revela a queda do que chamou de “deus mercado”. “A crise não nasceu por causa do socialismo bolivariano do Hugo Chávez. Não nasceu por causa da Constituição do Evo Morales. A crise nasceu porque nos anos 80 e 90 eles [os ricos] defenderam a lógica de que o Estado não podia nada e que o ‘deus mercado’ iria desenvolver o país e fazer justiça social. Esse ‘deus mercado’ quebrou por falta de controle”, disse o presidente brasileiro.
Lula foi bastante firme no seu posicionamento sobre o comprometimento dos governos com movimentos sociais. “O mundo não pode mais eleger presidentes que não atendam aos movimentos sociais, aos índios, às mulheres”. Ele também foi taxativo sobre o destino da Petrobras e do petróleo brasileiro, embora seja alvo de constantes críticas dos movimentos sociais por permitir os leilões. “Não queremos que a Petrobras, que descobriu tanto petróleo, se torne apenas uma exportadora. Queremos que parte deste petróleo ajude a construir o futuro desse país, a resolver os problemas do povo”, afirmou.
Na foto acima, Lula discursa para uma platéia de 10 mil pessoas, das quais 3 mil eram indígenas.
Foto e texto: Silvana Sá.