O que se define como cassino financeiro?
Cassino financeiro é a expressão utilizada para designar o conjunto de mercados onde o jogo consiste em apostas na variação de valor de títulos financeiros – divisas, obrigações e ações – e na variação dos parâmetros utilizados para valorizar aqueles títulos – taxas de juro e de câmbio, expectativas de lucros empresariais, cenários macro-econômicos, por exemplo.
A transformação dos mercados financeiros em cassino ocorreu basicamente a partir da década de 1980 quando esses mercados foram liberalizados e desregulamentados, deixando de servir à intermediação financeira clássica – transformação de poupança em investimento e concessão de crédito – para tornar-se um espaço de realização de lucros financeiros, sob o comando de instituições especializadas que centralizam os lucros industriais não reinvestidos e as rendas ociosas dos grupos mais ricos da sociedade..
Os principais mercados da finança globalizada são o de câmbio (FOREX- Foreign Exchange) e o de dívidas públicas, nos quais as transações diárias são calculadas em trilhões de dólares. Dá para entender, assim, porque até hoje o Senado brasileiro não definiu os limites da dívida pública federal, deixando de cumprir uma determinação expressa da Lei de Responsabilidade Fiscal. O resultado é que a dívida pública brasileira já se aproxima de 60% do PIB, e é de mais ou menos R$ 1.800 bilhões. Trata-se de um patamar altíssimo, pois a receita fiscal do governo federal, líquida das transferências constitucionais, é de apenas R$ 400 bilhões.
Qual o papel da América Latina nesse cassino? É de interferência, de adesão ou de submissão? E em se tratando de Brasil? Qual é o nossa posição?
Alguns países da América Latina, e particularmente o Brasil, contribuíram significativamente para alimentar o processo mundial de acumulação financeira. Primeiramente por meio da formação de uma enorme dívida pública, interna e externa, que é um campo privilegiado para obter ganhos rentistas, maximizados por taxas de juros exorbitantes. Em segundo lugar privatizando ativos estratégicos – serviços de infra-estrutura econômica e recursos minerais, por exemplo – onde a posição de monopólio dos grandes grupos econômicos facilita a obtenção de lucros fabulosos. Alguns países, enfim, como foi o caso da Argentina, mas também do Chile, chegaram a desmontar suas redes públicas de proteção social, abrindo espaço para a captura da poupança das famílias por investidores institucionais estrangeiros.
Mais recentemente observa-se a chegada maciça de fundos de pensão, majoritariamente norte-americanos e ingleses. Eles vêm para cá atraídos pela extraordinária rentabilidade dos títulos de dívida pública e privada, por um lado, e, por outro, pela oportunidade de aquisição de terras e de empresas domésticas, a preços comparativamente baixos. Mas há também os lucros das corporações que foram altíssimos em 2008, chegando em muitos casos a 40-50 % do patrimônio líquido.
E em se tratando de Brasil? Qual é a nossa posição?
Nossa posição tem sido, até agora, de submissão às regras do cassino financeiro. Assim o indicam provas empíricas como o fim de um teto para as taxas reais de juros (que era de 12%, acima da inflação, na Constituição de 1988), a adoção do regime de metas de inflação e de taxas flutuantes de câmbio, a modificação de regras para registro de capital estrangeiro, e o próprio conceito de empresa nacional que não acolhe mais a diferenciação segundo a origem do capital. Mas há também as dezenas de bilhões de reais doados regularmente a grandes empresas, por meio de incentivos fiscais que, em geral, carecem de análise que os justifique.
À desnacionalização do setor produtivo estratégico, por iniciativa dos governos de Fernando Collor e FHC, seguiu-se, neste governo, a desnacionalização do setor financeiro, o que vem permitindo que fatias cada vez maiores dos meios de pagamento domésticos fiquem sob controle de grupos estrangeiros, nos quais se destacam o inglês, HSBC, o espanhol Santander e os norte-americanos Citibank e JP Morgan. O próximo passo poderá consistir na autorização para a abertura de contas correntes em moeda estrangeira, o que prenunciaria no meu entender um final bastante infeliz, a exemplo do que ocorreu na Argentina em 2000-2001.
É importante atentar para o fato que a ação do capital estrangeiro em nosso país não se restringe à economia e às finanças. Na verdade os grupos transnacionais interferem, e o mais frequentemente de forma negativa, na política e nas decisões do Congresso Nacional, na educação e na cultura. Eles organizam universidades corporativas e fundações privadas com os mais diferentes objetivos, sustentam ONG’s, são capazes de ter grande influência sobre a imprensa falada e escrita e ainda dispõem de redes de comunicação e de negócios bem menos visíveis aos olhos do cidadão comum.
Qual é o discurso hegemônico do qual se fala e o que ele significa?
O discurso da burguesia imperial é aquele que aparece na imprensa. A favor do livre comércio e da redução de impostos – o governo é a eterna Geni da canção do Chico Buarque -, contra a Alba e a Unasur e qualquer outra iniciativa visando à soberania econômica de nossos países. Não há qualquer menção às possibilidades de conter a concentração de renda gerada pelos mecanismos de mercado, o que seria um encargo da política tributária por meio de impostos indiretos seletivos e de impostos diretos progressivos. Corremos ainda o risco de ver penhoradas as reservas de petróleo, do pré-sal, antes mesmo que se inicie a exploração. Paulatinamente avança a privatização dos recursos hídricos e das empresas responsáveis por sua distribuição.
Na ausência de um diagnóstico correto da crise atual, o enfrentamento a ela se dá por vias tortas, um comportamento mimético que segue o figurino desenhado nos EUA. Na verdade deveríamos organizar um fundo com recursos dos capitalistas, dos bilionários e das grandes corporações para que eles próprios, os membros da burguesia imperial, pudessem gerir o auxílio a seus pares. Penso especificamente em uma contribuição sobre o patrimônio líquido das sociedades anônimas, capaz de alimentar um fundo de suporte ao capital, administrado pelas confederações patronais.
O que seria esse discurso e qual a intenção dos donos do capital ao utilizá-lo?
O discurso das elites a favor da educação e cultura soa falso. Basta cotejá-lo com os programas de televisão aberta, do tipo Big Brother, e com os filmes que aí são mostrados, voltados prioritariamente para espetáculos de terror e de violência. Nós já teríamos no Brasil condições de oferecer educação pública e gratuita a todos os brasileiros, pelo menos o ensino fundamental. E gastaríamos provavelmente muito menos do que é gasto nas escolas privadas. O mesmo raciocínio poderia ser aplicado à saúde. Mas a burguesia imperial é contra essas medidas porque elas interromperiam o fluxo de grandes lucros privados que são obtidos nesses setores sociais. Além do mais, o controle das instituições de educação é vital para incutir a ideologia que serve aos donos do poder e do dinheiro, fundamentada no individualismo e no culto aos mecanismos de mercado.
Como fazer para que as questões cernes da humanidade, principalmente no que se refere a desenvolvimento sustentável, distribuição justa das riquezas, sejam debatidas de forma séria e que levem a ações concretas em nível mundial?
Há poucas esperanças de um debate sério e responsável sobre esses temas, pois isto não interessa ao capital financeiro e aos aparelhos de repressão de Estados seqüestrados pelo capital. François Chesnais vem chamando a atenção para a possibilidade de uma catástrofe iminente da humanidade, representada pela destruição do meio ambiente e pelas tragédias enfrentadas por um número cada vez maior de nações e de povos – Haiti, Birmânia, Bangladesh, Sudão, Etiópia, Quênia, etc, etc. Mesmo no Brasil, a proposta da burguesia frente às tragédias sociais tem consistido no aumento dos aparatos de repressão. Na verdade, penso que em momento algum de nossa história as forças ditas da ordem, e também as da desordem (milícias e exércitos privados), mataram tanto e tão impunemente quanto se mata hoje.
O único movimento social, no Brasil, que se ocupa de questões realmente sérias, voltadas para a construção de um futuro saudável capaz de promover uma real emancipação do ser humano, é o MST – o Movimento de Trabalhadores sem Terra. E é este movimento que a imprensa burguesa procura criminalizar, em processo que parece estar aglutinando forças junto ao Poder Judiciário e a certos Executivos estaduais. É lamentável!
A América Latina tem força suficiente para fazer alguma diferença nessa disputa?
A América Latina teria força se pudéssemos levar adiante a nossa integração econômica e social. A primeira medida importante que poderíamos implantar imediatamente seria a adoção de uma moeda comum para nossas trocas comerciais, desvinculada do dólar e do euro, por exemplo. Mas ela iria contra os interesses dos atores que comandam o cassino financeiro, contra todos aqueles que especulam no FOREX – o mercado de câmbio –.