Potencial Hidrelétrico e Energia Nuclear no Brasil

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Durante palestra sobre o futuro da energia nuclear no contexto do sistema elétrico brasileiro, no Clube de Engenharia, o pesquisador e consultor em energia Joaquim de Carvalho frisou que o país ainda tem grande potencial de geração hidrelétrica a explorar e, com novas formas de se segmentarem os aproveitamentos, os impactos ambientais podem ser bem assimilados pelos ecossistemas micro-regionais.

Mesmo assim, o custo da energia hidrelétrica será inferior ao da energia nuclear, que o país quer retomar. Se esse potencial for associado ao potencial eólico, para estruturar um sistema hidro-eólico, o Brasil poderá oferecer à sua população eletricidade, em termos per capita, em níveis comparáveis aos dos países considerados desenvolvidos, isto admitindo – como faz o IBGE – que a população se estabilizará em 215 milhões de habitantes, por volta de 2050.

“Acredito que construir novas usinas nucleares apenas para justificar o investimento já realizado em Angra poderia abalar seriamente o equilíbrio financeiro do setor elétrico brasileiro”, disse, informando que a diferença entre o provável custo de geração de Angra III e o das novas hidrelétricas na Amazônia pode chegar a R$ 430 milhões por ano.

“Esses recursos poderiam ser aplicados no projeto do sistema nuclear de propulsão naval, que me parece estrategicamente mais importante para um país que tem mais de 8 mil km de costa atlântica”, argumenta.

Como disse, mesmo no caso das hidrelétricas que o governo pretende construir na Amazônia e exigirão diversas precauções sócio-ambientais, além de investimento pesado em linhas de transmissão, o custo de geração hidráulica é significativamente inferior ao da geração nuclear: “O custo de geração de novas hidrelétricas na Amazônia poderá chegar a R$ 146,2 MW/h, enquanto em Angra III o custo real ficará em R$ 190 MW/h”, contabiliza.

“O argumento de que as usinas nucleares nos permitirão dominar a tecnologia nuclear não é válido, pois o que se propõe é importar essa tecnologia, algo que não garante desenvolvimento algum”, criticou.

“Os excelentes técnicos que operam as usinas de Angra são preparados para operar, não para projetar e construir usinas”, salienta, em entrevista exclusiva ao Monitor Mercantil, reproduzida aqui pelo Correio da Cidadania. Por outro lado, ele reconhece que as radiações nucleares são indispensáveis à vida moderna “em praticamente todos os setores, daí a importância de criar e modernizar os nossos centros de pesquisa”.

A entrevista completa pode ser lida abaixo:


Por que o senhor considera que há muito otimismo nas estimativas de custos de usinas nucleares?

Veja o caso de Angra III. O governo já destinou recursos no montante de R$10 bilhões para a conclusão da usina, sem incluir os juros durante a construção. A este valor deve ser somada a quantia de R$ 1,2 bilhão, correspondente ao que já foi investido na obra. Em meus cálculos, admiti que o BNDES financiará 70% do custo de Angra III, a juros de 7,5% ao ano (TJLP + 1%), e os 30% restantes pagariam taxas entre 8% e 12% ao ano. Admiti também que o custo do combustível será igual ao de Angra II.

Esse problema só ocorre no Brasil?
Não. As unidades que a Areva está construindo na Finlândia, por exemplo, já estão custando o dobro do estimado antes do começo da obra. Já nos Estados Unidos, as usinas implantadas entre 1966 e 1986 tiveram, em média, custos 200% acima do previsto.

Aqui no Brasil, o descomissionamento da usina implicará futuros investimentos da ordem de R$ 800 por kW elétrico instalado, o que, somado ao que será gasto na administração dos rejeitos de baixa e média atividade e na deposição final dos rejeitos de alta atividade, poderá incidir em torno de R$ 3/MWh na tarifa de geração, ao longo da vida útil da usina.

As hidrelétricas planejadas situam-se em regiões afastadas dos pólos de consumo. Isso não encarece a geração?
Não se pode esperar que a energia gerada na Amazônia tenha custos comparáveis aos das antigas, pois, entre outras coisas, deve-se acrescentar o custo da transmissão. A não ser nos casos em que as novas usinas possam ser conectadas diretamente à rede básica, a incidência do custo de transmissão vai aumentando, na medida em que as novas usinas localizam-se em regiões mais afastadas dos pólos de consumo. Essa transmissão a longas distâncias pode chegar a R$ R$ 30 MW/h.

E no caso das usinas nucleares?

Neste caso, deve-se incluir o custo do combustível e também as despesas de descomissionamento da usina, ao cabo de sua vida útil, os quais podem chegar a R$ 800 por quilowatt elétrico da usina em questão. O montante deve ser trazido ao valor presente e incluído nos custos de geração, a fim de que, na época própria, haja recursos para o descomissionamento. Devem, ainda, ser acrescentados os custos de administração dos rejeitos de baixa e média atividade, e os da deposição final dos de alta atividade. Tanto para as hidrelétricas como para as nucleares e as térmicas convencionais, os prêmios pagos às companhias de seguros são, em média, da ordem de 1% ao ano, sobre o capital investido.

Quais os impactos ambientais da geração hidrelétrica, em comparação com a nuclear?
As usinas hidrelétricas provocam inundações potencialmente desastrosas. Em contrapartida, oferecem a vantagem de pouco emitirem gases de efeito estufa. E as inundações podem ser muito reduzidas se, em vez de grandes projetos, optar-se por seccionar as bacias hidrográficas em projetos de menor porte, convenientemente escalonados. As usinas nucleares praticamente não agridem o meio ambiente quando estão em operação rotineira, porém implicam o risco – muito pequeno, mas existente – de acidentes que podem liberar na biosfera produtos de fissão de alta atividade, com graves conseqüências, que se podem fazer sentir sobre extensas regiões, por centenas de anos. Além disso, fica para as futuras gerações o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final implicará importantes investimentos. E ainda existe a questão da segurança.

Qual é o problema da segurança?

A segurança das usinas geradoras e demais instalações nucleares (tratamento e enriquecimento de urânio, fabricação de elementos combustíveis, reprocessamento de combustíveis irradiados, depósitos de rejeitos etc.) implicará importantes e custosos aparelhos policiais. Assim, países que optem pelas usinas nucleares em seus sistemas elétricos poderão ser forçados a adotar métodos próprios de Estados policiais.

O movimento ambientalista aparentemente critica mais as hidrelétricas do que as termelétricas. Elas são menos agressivas ao meio ambiente?

Acredito que a oposição dos ambientalistas diminuirá de intensidade na medida em que compreenderem que, com bom planejamento, os inevitáveis impactos ambientais das futuras hidrelétricas são perfeitamente assimiláveis pelos ecossistemas amazônicos. As hidrelétricas, por sinal, se tornarão os melhores aliados das florestas, pois, se houver desmatamento, os assoreamentos, as cheias e as estiagens daí resultantes inviabilizarão o próprio aproveitamento hidroelétrico.

Qual o real impacto da construção de hidrelétricas na Amazônia?

Os novos aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia devem ser projetados e implantados com base em rigorosos critérios de preservação do modo de vida, costumes e bem-estar das populações nativas. Devem, igualmente, ser observados princípios fundamentais da sustentabilidade ambiental. Um aspecto inovador desses projetos será o emprego de turbinas do tipo bulbo na maioria deles. Graças a isso, os aproveitamentos serão de baixa queda, com reservatórios que inundarão áreas consideradas pequenas para hidrelétricas do porte delas, em média, cerca de 3 mil MW.

Rogério Lessa é jornalista do Monitor Mercantil, onde esta entrevista foi originalmente publicada.