Tensão e solidariedade marcaram o dia 14 no prédio do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, onde cerca de 300 pessoas – indígenas em sua maioria – convivem desde sábado (12) com a possibilidade de que a reintegração de posse do terreno seja determinada a qualquer momento pela Justiça. Em completo estado de abandono há décadas e ocupado há sete anos por indígenas de diversas etnias que ali fundaram a Aldeia Maracanã, o prédio tem grande valor histórico, mas, de acordo com o projeto de reforma do Maracanã com vistas à Copa do Mundo de 2014, deverá ser demolido para dar lugar a um shopping center e a um estacionamento.
Até o fim da tarde, a polícia não voltara a cercar o terreno, para alívio dos integrantes da Aldeia Maracanã. No sábado (12), dezenas de soldados do Batalhão de Choque da Polícia Militar se prepararam para desocupar o local, mas recuaram porque o governo não conseguiu a liminar pela reintegração de posse como imaginava. No mesmo dia, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro obteve uma liminar que impede a remoção dos habitantes da Aldeia Maracanã, sob pena de multa diária, até segunda ordem.
O alívio, no entanto, deve ser passageiro. A Empresa Estadual de Obras Públicas (Emop), responsável pela reforma do Maracanã, afirmou que daria entrada hoje em um novo pedido de reintegração de posse. A licitação para a demolição do Museu do Índio, por sua vez, já foi realizada em dezembro, tendo como vencedora a empresa Compec Construções e Locações, que receberá cerca de R$ 500 mil para executar o serviço.
De outro lado, a Procuradoria Regional da República da 2ª Região entrou com ação tentando barrar a atitude do governo estadual. A tentativa é de reverter decisões do Tribunal Regional Federal favoráveis à demolição do edifício. Na visão do Ministério Público Federal, é incabível que se permita a destruição de um patrimônio público de valor inestimável.
“Se o Estado agisse de acordo com o dever de proteger o interesse social, deveria considerar, na elaboração do projeto, que no entorno do Maracanã há um imóvel cuja proteção é do interesse da sociedade e que, portanto, não pode ser destruído”, diz o procurador-chefe em exercício da PRR2, Newton Penna. “Ainda que um imóvel com esse valor fosse um obstáculo ao projeto, deveria ter sido considerado no plano de reforma, numa solução para atender aos parâmetros da Fifa.”
Dentro do terreno, onde hoje conviviam em clima de mutirão cerca de 200 indígenas e mais uma centena de estudantes, alguns poucos militantes dos movimentos sociais e outros apoiadores, a maior reivindicação agora é por ajuda política concreta: “Estamos conclamando todos os apoiadores de nossa causa para virem para cá porque é muito pesado para nós, os poucos indígenas que estão aqui, fazer essa resistência sozinhos. A defesa desse patrimônio, que é de todo o povo brasileiro, da humanidade, já não depende só da gente”, diz José Guajajara, um dos líderes da Aldeia Maracanã.
Guajajara reclama ainda da ausência de dirigentes das entidades nacionais representativas dos indígenas, como a Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) e a Coordenação das Nações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entre outras com capacidade de pressão junto ao poder público: “Essas entidades estão acompanhando o caso, sabem o que está acontecendo. Mas, deveriam estar aqui conosco”, lamenta.
Os indígenas contam ainda com o apoio de uma “equipe de comunicação”, formada em sua maioria por jovens – alguns estrangeiros – dispostos a colocar, literalmente, a boca no mundo através dos blogs e redes sociais em caso de invasão da Aldeia Maracanã: “Os apoiadores indígenas estão de prontidão. Estamos na legalidade para defender esse patrimônio que é de todos nós. Temos o apoio de jovens jornalistas com contatos internacionais. Esperamos informar e sensibilizar o máximo de pessoas”, diz Guajajara.
Apesar do otimismo em relação aos apoios, o clima na Aldeia Maracanã também é de medo, sobretudo durante a noite. “O governo já vendeu isso aqui e os compradores querem que ele entregue logo. Estamos temendo que aconteça uma invasão como no Pinheirinho ou no Iaserj, onde houve todo um aparato policial e covardemente eles entraram à noite. Por isso estamos fazendo atividades culturais em vigília”, diz.
“É muito caro, mas gostaríamos de colocar câmeras para que registrem qualquer ação danosa ou truculenta do Estado. Queremos a imprensa e os fotógrafos aqui com a gente” diz Guajajara, acrescentando que os indígenas não buscam o confronto. “A nossa estratégia de defesa será o maracá, e pedimos ao governador do Estado, chefe máximo da polícia, que use as mesmas armas”, diz, enquanto chacoalha o instrumento.
Importância histórica
Uma das estudantes que está pernoitando na Aldeia Maracanã para ajudar na resistência à reintegração de posse, Mônica Bello ressalta a importância histórica do prédio, erguido em 1865 pelo Duque de Saxe, seu primeiro proprietário. Décadas mais tarde, ali passou a funcionar o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), comandado pelo Marechal Cândido Rondon. Em 1953, o antropólogo Darcy Ribeiro conseguiu realizar o sonho de ali montar o primeiro Museu do Índio da América Latina. “Esse prédio é um símbolo dos indígenas brasileiros. Deveria ser valorizado como tal pelas autoridades e reformado e revitalizado, ao invés de demolido. Poderia ser utilizado inclusive como atração turística durante a Copa do Mundo”, diz.
Mônica lembra que existe até mesmo um projeto de reforma do prédio elaborado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mas ignorado pelo poder público. Ela ressalta as possibilidades de uma eventual revitalização do local, com a realização de cursos e atividades culturais, a construção de um restaurante de culinária indígena e um mirante na torre do prédio. Outro objetivo é criar no terreno a primeira Universidade Indígena do Brasil, que serviria também como uma espécie de embaixada para os indígenas que chegarem ao Rio de Janeiro.
Atualmente, segundo José Guajajara, existem 150 indígenas registrados como moradores da Aldeia Maracanã e 80 que lá se encontram de fato atualmente. Com a ameaça de reintegração de posse e a chegada de outros indígenas e estudantes, no entanto, a população no antigo Museu do Índio chegou a 300 pessoas nestes últimos dias: “Quando ameaçaram invadir no sábado, resistimos com 600 pessoas”, calcula o líder indígena.
Fonte: Rede Brasil Atual