“Quando você diz “Eu te amo”, está fazendo uma promessa com o coração de alguém. Tente honrá-lo.” Clarice Lispector. Pode parecer fora de contexto começar a falar sobre uma greve de trabalhadores com a citação acima. Pois bem, talvez seja. Mas, afinal, estamos na semana do Dia dos Namorados. E já que somos engenheiros, pessoas de lógica afiada, temos uma explicação lógica para tudo, até para frases românticas. Pois bem, contextualizemos.
Estamos próximos de completar uma semana de paralisação dos engenheiros da Sanepar. E chegamos até aqui por causa de promessas não honradas.
Quando a atual direção da empresa assumiu, nomeada pelo governador Beto Richa em 2011, disse: “Vamos valorizar vocês, empregados. Vamos resolver as distorções históricas na curva salarial por meio de um novo Plano de Carreira. Ainda neste ano estará resolvida a situação.” E os corações dos engenheiros, geólogos e geógrafos saneparianos deram um voto de confiança.
Mas em 2011 não aconteceu nada além do início de trabalho de uma consultoria contratada. E eles voltaram a prometer “No máximo até a negociação coletiva de 2012 teremos implantado o Plano que resolverá a situação dos profissionais.” Como era pouco tempo decorrido até então, para suprir lacunas deixadas por mais de uma década, a crença apaixonada foi mantida.
Veio 2012, e quando finalmente foi implantado o Plano de Carreira, junto com ele um balde de água bem fria e nada potável sobre as cabeças daqueles profissionais. O achatamento da curva salarial, que faz com que um engenheiro com 12 anos de experiência receba tanto quanto quem está iniciando, não teve sequer uma solução equacionada. Aí ocorreu um ultimato: a primeira paralisação de engenheiros na história da Companhia. Mas a amada empresa, através de sua diretoria, pediu mais uma chance de provar seu amor: “No máximo em 1 ano implantaremos as melhorias. E iremos defini-las junto com vocês.” Este registro não foi feito dentro de um coração gravado na areia ou numa árvore, mas em ata de mediação no Ministério Público do Trabalho e em Acordo Coletivo de Trabalho. Ou seja, em documentos que o vento não apaga e as motosserras não podem derrubar. Então, de peito aberto, aceitamos as desculpas. Agora a relação tinha tudo pra um final feliz!
Mas… doce ilusão! Um ano se passou, e tudo que a direção da Sanepar oferece é discutir a relação por mais quatro meses, sem dar uma prova real de que valoriza este “amor”. Nada restou aos profissionais, senão nova ruptura. O encanto se quebrou. Os engenheiros estão parados há quase uma semana e permanecerão assim enquanto for necessário. Até agora a resposta que obtivemos foi “sob greve não há conversa”. Pois bem, não é conversa o que queremos. Nem o aceno simpático dos diretores quando passam por nós em seus belos carros. Tampouco novas promessas. Queremos, e tem que ser JÁ, respeito e valorização à nossa profissão. Mais do que a busca por melhores salários, nossa luta é por dignidade!
Na última terça-feira, publicamente, o governo do estado deu um sinal de que está ao menos informado (muito mal, por sinal) da situação. O seu líder na Assembleia Legislativa, deputado Ademar Traiano, usou a palavra durante a sessão para rebater o apoio registrado mais uma vez pelo líder da oposição na Casa, deputado Tadeu Veneri, e endossado na véspera pelo deputado Rasca Rodrigues, ao movimento paredista dos engenheiros saneparianos. Dentro do seu papel de “cão de guarda” do governador, disse que a categoria em greve são só “6% dos funcionários da Sanepar”, que “apenas os engenheiros não querem o acordo” e que “é a única empresa do País que paga o piso nacional para os engenheiros”.
Então é isso? Os engenheiros são apenas um número percentual na visão do governador, o engenheiro civil Carlos Alberto Richa?
O engenheiro Richa, aliás, fez várias promessas aos trabalhadores da Sanepar em 2010 – registradas como “compromisso” em material de campanha impresso que ainda temos guardado. Dentre elas, dizia que “O quadro de funcionários de carreira da Sanepar será reconhecido, prestigiado, capacitado e proativo, e terá prioridade na ocupação dos cargos de gestão e de confiança.” Quando isso irá acontecer, governador? Pois reconhecimento e prestígio não são o que se demonstra no tratamento dado aos engenheiros, geólogos e geógrafos, responsáveis por todo o planejamento, execução e fiscalização das obras de investimento de que o senhor fala com tanto orgulho. Pois, das 9 diretorias, apenas 3 são ocupadas por pessoas que fizeram toda a carreira dentro da Companhia. Pois no seu governo, ao contrário do que pregava, foram criados sem respaldo legal 32 cargos comissionados ocupados pelos seus apadrinhados. Vários deles, por sinal, recebendo além do salário de profissionais concursados com mais de 20 anos de experiência. Para aqueles, certamente, as juras de amor são recíprocas e eternas… ao menos enquanto durarem os cargos e o governo.
Ulisses Kaniak é Presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná – Senge-PR