Luis Turiba
Uma aula de história cai como chuva para quem deseja realmente se inteirar. Melhor ainda se for contata por quem a viveu nas entranhas do poder, com riquezas de detalhes, alguns até sórdidos.
Convidado para uma exposição sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva no Sindicato dos Engenheiros, me vejo, de repente, sentado à frente do histórico ex-ministro do governo Jango Goulart, o eterno deputado trabalhista Almino Affonso, uma espécie de arquivo vivo da política brasileira dos últimos 60 anos.
Elegante, terno bem cortado, bem falante, olhos vivos, memória afinadíssima, Almino Affonso está beirando às nove décadas, mas ainda muito altivo. Orgulha-se da sua existência política e da sua memória. Aproveitou a micro-plateia formada por jornalistas e deu sua aula-show emocionando a todos.
De cara corrigiu uma informação histórica: o golpe militar de 64 não ocorreu no dia 1 de março, conforme consta nos livros; mas sim na madrugada do dia 2, exatamente por volta das 2h30min, quando o presidente do Congresso Nacional, senador Auro Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente da República e nomeou o presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzilli como presidente do Brasil, dando legalidade ao golpe de Estado que rolava nos quartéis. Jango havia partido num vôo da FAB para Porto Alegre.
Ao perceber que a Constituição havia sido rasgada, o também deputado-ministro Tancredo Neves dirigiu-se rapidamente até o senador Moura Andrade e, olho no olho com o dedo apontando para o seu nariz, verbalizou: “Canalha! Canalha! Canalha!”. Outro parlamentar, cujo nome fugiu a memória de Almino Affonso, fez pior: deu uma cusparada no rosto do oficializador do golpe de 64.
Almino Affonso vai contando sem atropelar os fatos. Dá gosto ouvi-lo. Se formou em Direito pela Faculdade 11 de agosto em SP. Entrou na política em 1959 eleito deputado pelo Amazonas. De imediato, tornou-se líder do PTB.
Construção de Brasília; Lei de Diretrizes e Bases, reforma agrária e Ligas Camponesas, PCB de Luiz Carlos Prestes, oposição de Carlos Lacerda, o fatídico encontro das tropas do Exército de Minas Gerais e do Rio de Janeiro nas imediações de Juiz de Fora, quando o I Exército aderiu ao movimento sem resistência; à luta pelo petróleo que ele participou ainda estudante de Direito em São Paulo. Sessenta anos de fatos, todos fortes
“Só não me peçam pra falar do rolo da Petrobras”, avisa o ex-ministro do Trabalho de Jango no início da entrevista-aula. Em seguida começa a relatar detalhes da campanha “O Petróleo é nosso” e da criação da Petrobras no final do governo Getúlio Vargas, fatos marcantes na sua vida.
Seus olhos então se enchem de emoção. Ele já não enxerga as duas jornalistas morenas à sua frente, tão elogiadas no início. O olhar se perde no passado e sua fala parece antevê algo muito grave. “A desgraça está passando a nossa frente, só não vê quem não quer.”