Entre as necessidades mais prementes estão a expansão da rede de atendimento para mulheres em situação de violência em todo o território nacional, a formação de equipes multidisciplinares capacitadas para atuar nos serviços e a divulgação de informações para que as brasileiras conheçam seus direitos e os caminhos para acessá-los.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) conquistou reconhecimento internacional e foi eleita pela ONU como uma das três mais avançadas no mundo. Obteve, ainda, reconhecimento perante a própria população: uma pesquisa realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão em 2013 apontou que, após sete anos de vigência, 98% dos brasileiros conheciam a Lei e 86% achavam que, com ela, as mulheres passaram a denunciar mais os casos de violência doméstica.
O avanço legislativo, entretanto, ainda não representa a garantia de uma vida livre de agressões para uma parcela significativa das 100 milhões de brasileiras. Estima-se que uma mulher seja agredida a cada 5 minutos no País e a cada três pessoas atendidas no SUS (Sistema Único de Saúde) por violência doméstica, duas são mulheres. Os números revelam também que até a mais extrema violência – o homicídio – está presente no cotidiano de muitas mulheres: entre 1980 e 2010, mais de 92 mil foram assassinadas, sendo 43,7 mil só na última década – ou seja, em média, a cada 2 horas uma brasileira foi morta em condições violentas, segundo o Mapa da Violência 2012.
É consenso entre os especialistas ouvidos pelo Informativo Compromisso e Atitude que, para diminuir a distância entre o texto legal e a efetiva fruição do direito, é preciso democratizar o acesso à Justiça no País. “Temos que entender o acesso à Justiça de uma maneira bastante ampla, não só no âmbito criminal, para que a violência seja coibida pela responsabilização do agressor, como também enquanto acesso a direitos, principalmente ao direito de viver sem violência”, conceitua a socióloga e pesquisadora sênior pesquisadora sênior Wânia Pasinato, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
Poder público presente
Além do número reduzido, os serviços de Segurança e Justiça em apoio a mulheres vítimas de violência ainda são pouco conhecidos. Na avaliação da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), Eleonora Menicucci, para garantir às mulheres acesso à Justiça é preciso consolidar medidas em três frentes: na aplicação do marco legal existente, expansão dos serviços para efetivar a lei e na conscientização das próprias mulheres sobre seus direitos e os meios para acessá-los.
“Em primeiro lugar, as mulheres só podem ter acesso à Justiça se tiverem conhecimento dos seus direitos. E isso é fundamental para o segundo ponto essencial nesse enfrentamento: a denúncia, pois sem denúncia não há crime. A mulher tem que denunciar e, ao mesmo tempo, ter garantia de que este ato vai ter um impacto na situação de agressão sofrida por ela. E aí chegamos a um terceiro ponto muito importante, que é a quebra da impunidade por meio do Estado presente”, resume a ministra.
Diante das proporções continentais do Brasil, para garantir a presença e amparo do Poder Público, é necessário expandir os serviços especializados previstos na Lei – ampliando a quantidade de equipamentos existentes e promovendo a sua interiorização. “A Lei Maria da Penha é de 2006 e, nestes sete anos, conseguimos pelo menos chegar nas capitais e principais cidades do Brasil. Mas é fundamental que avancemos para que as unidades especializadas tenham cada vez mais capilaridade nas cidades brasileiras”, avalia o secretário de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça, Flávio Caetano [leia entrevista exclusiva].
A desembargadora Ana Maria Amarante, do Conselho Nacional de Justiça, destaca ainda que a especialização e capacitação dos quadros são essenciais para que os serviços, além de presentes, sejam preparados e atuantes, transmitindo confiança para a população buscar o Estado. “Não só a Justiça, mas todos aqueles que, de alguma forma, trabalham nessa área devem primar pela especialização. Quando os serviços são especializados, aliás, a demanda eventualmente reprimida tende a aparecer”, aponta.
Além disso, na avaliação da conselheira, há uma carência de mecanismos de controle de dados. “Penso que os dados de todos os organismos devem ser catalogados e informados, como forma de demonstrar o quanto se tem trabalhado no enfrentamento à violência contra a mulher, para que esses dados se traduzam em uma maior confiança na denúncia dessa violência”, destaca a desembargadora. [Veja entrevista na íntegra.]
Pesquisa identifica principais desafios
Buscando entender quais obstáculos impedem que as mulheres em situação de violência tenham acesso à proteção do Estado prevista nos dispositivos legais, a ONG Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação realizou um estudo comparativo sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em cinco capitais.
Os principais desafios identificados na pesquisa, coordenada por Wânia Pasinato, estão em sintonia com a avaliação de quem está à frente das políticas públicas: expansão dos serviços pelo amplo território nacional; formação de equipes multidisciplinares capacitadas para atuar nesses serviços; e conscientização de todos os envolvidos nas áreas de Segurança e Justiça sobre a grave violação de direitos humanos que é a violência de gênero.