A repercussão do erro tomou a semana toda. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reconheceu que havia divulgado equivocadamente: não eram 65% aqueles que concordam com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Eram 26%. Os dados se referem à pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres”. E o erro, de acordo com o órgão federal, deveu-se a uma troca de gráficos.
A divulgação inicial
dos 65% trouxe, de forma incisiva, o tema da violência contra a mulher à discussão no âmbito nacional. Uma jornalista lançou o protesto “Eu não mereço ser estuprada”, a campanha se difundiu nas redes sociais, houve furor nas comunidades virtuais e a presidente Dilma comentou o assunto via Twitter. A mídia usou como pôde. O tópico foi pauta em matérias e em colunas do País todo – no O POVO, inclusive.
O erro, por óbvio, não deslegitima o órgão nem invalida o debate que cresceu com a pesquisa. O problema não é apenas matemático. Violência contra a mulher é um tema que deve ser tratado com seriedade sempre. Mas a divulgação do erro e a posterior constatação nos levam a várias reflexões acerca da atividade jornalística.
Resultados finais
Jornalista adora números – e é louco por pesquisa. A cada entrevista coletiva em que se anuncia a publicização de um novo estudo, o jornalista fica ansioso pelos resultados finais, em busca do número mais chamativo para destacar na pauta. Pode parecer natural, mas será que estamos tratando as pesquisas como elas deveriam ser tratadas na imprensa? Em vez da busca incessante apenas pelas conclusões, não seria saudável nos aprofundarmos em hipóteses, amostragem, contexto, metodologias, para, dessa forma, analisar (e saber interpretar) a pesquisa que estamos veiculando?
O jornalista prefere os dados prontos. Poucos partem para o entendimento científico. Mas, claro, a pesquisa, pelo seu gênero, está compreendida no âmbito da ciência. No entanto, não deve ser considerada como verdade absoluta. A qualquer pesquisa, a qualquer estudo, cabem questionamentos e dúvidas, embora se conheça todo o rigor técnico com que eles são feitos. Os jornalistas se esquecem, por vezes, de que são treinados para desconfiar. Sempre, de todo mundo. Por isso, aceitam toda nova informação balizada por um trabalho amplamente divulgado.
Senso crítico
O percentual alto, 65%, divulgado inicialmente pelo Ipea causou uma exaltação pouco vista recentemente na sociedade em geral – tanto no mundo virtual quanto nas discussões reais. Mas não houve qualquer iniciativa embasada pelo senso crítico de questionar esses resultados. Afinal, 65 pessoas, de cada grupo de 100, concordam que mulheres merecem ser violentadas a depender do tipo de suas roupas.
Um número exorbitante, que parece não refletir o pensamento do senso comum que está a nossa volta. Mas ninguém retrucou. O órgão federal tem a rubrica que o assegura a classificação – confiamos nisso sem contestar.
Que o fato não tenha sido em vão e que possamos nos lembrar, a cada pauta, que é preciso mais cuidado e mais rigor na apuração e na verificação. É assim que nos recomenda o bom jornalismo.
Acesse o site de origem: O erro do Ipea e o jornalismo, por Daniela Nogueira