Nota contra a consulta e o decreto que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o programa permanente de consolidação, simplificação e desburocratização de normas trabalhistas e o prêmio nacional trabalhista

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O FÓRUM INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS, integrado por entidades de representação do mundo do trabalho e do campo social, Sindicatos, Federações Confederações e Centrais Sindicais de trabalhadores, professores e pesquisadores,  endossando e reforçando recente Nota Técnica noticiada e lida em reunião do FIDS de 10 de fevereiro de 2021, elaborada por entidades que o integram, ABRAT, ANAMATRA, ANPT e SINAIT, vem a público expressar seu repúdio tanto à Consulta Pública quanto ao conteúdo da Minuta de Decreto que a acompanha, veiculada em 19 de janeiro de 2021 e que, segundo objetivos ali expressos, regulamenta disposições referentes à legislação trabalhista vigente e instituiu o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas, bem como o Prêmio Nacional Trabalhista. Trata-se de minuta de decreto submetida à consulta pública sem qualquer diálogo com a sociedade, com o Conselho Nacional do Trabalho e, muito menos, com os trabalhadores reunidos em sua Entidades de representação, a exemplo das  Centrais Sindicais, em desrespeito ao diálogo social preconizado nas regras convencionais internacionais e em desrespeito à democracia e a soberania, ou seja, ao Estado Democrático de Direito.

O decreto e a consulta são inaceitáveis em todos os aspectos. Trata-se de mais uma medida, agora via decreto monocrático, que invade as esferas de deliberações coletivas e as competências de outros poderes, desrespeitando, de forma flagrante, normas legais e dispositivos constitucionais e convencionais que regem a matéria.

Sob o falso argumento da desburocratização e da simplificação realizada em âmbito infralegal, preso a uma lógica de rigoroso ajuste fiscal comprovadamente nefasta onde instituída, o decreto revoga decretos precedentes; revisa outros; consolida flexibilizações temporárias editadas para a pandemia; incorpora proposições legislativas rejeitadas pelo Congresso, como, por exemplo, aspectos da Lei da Liberdade Econômica; e suprime direitos, como é o caso, entre outros, do direito ao repouso semanal, conquista dos trabalhadores que, remontando aos tempos de constituição do próprio capitalismo, busca assegurar condições físicas, higiênicas, sanitárias e psíquicas adequadas ao convívio social dos cidadãos e cidadãs.   

Seguindo a lógica da supremacia do indivíduo e do afastamento dos entes coletivos de proteção ao trabalho, aprofunda aspectos da reforma trabalhista vigente desde novembro de 2017, ao prever, dentre seus objetivos, a redução dos custos empresariais, o respeito à livre iniciativa e ao  livre exercício de atividade econômica, desconsiderando e desrespeitando os interesses e os direitos de um dos polos da relação de trabalho, os trabalhadores e trabalhadoras que, já premidos por índices de desemprego nunca antes vivenciado e por quase 80 milhões fora da força de trabalho, estão, na luta pela sobrevivência, ameaçados pelo drama da doença que se espalha. E, ao fazê-lo, aprofunda assimetrias, rompe com a paridade de armas e desconhece o papel civilizatório da proteção social pública que a todos incorpore e que assegure renda e trabalho, permitindo a sobrevivência, sobretudo em cenário de alta concentração da renda e da riqueza.

E ao fazer uma revisão geral e irrestrita das normas trabalhistas, revoga medidas preexistentes, inclusive fortalecendo a ideia de retirada dos sindicatos do processo de construção da regulação social do trabalho e dos sistemas públicos de mediação dos conflitos, valorizando os entendimentos individuais sobre normas coletivas e mais fragilizando as organizações sindicais. Por outro lado, a metodologia de submeter tal “revisão” à consulta pública como forma de legitimação do decreto é medida autoritária e inaceitável, pois ao ser realizada sem qualquer diálogo prévio com as entidades de representação dos trabalhadores, fere frontalmente o diálogo social tripartite, previsto em compromisso assumido pelo Brasil perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O decreto submetido à consulta pública é incompatível com o Estado democrático de direito e, diferentemente do que alega, amplia a insegurança jurídica e a instabilidade legislativa, em matérias sensíveis a um desenvolvimento socioeconômico articulado com uma sociedade de direitos e democrática. Amplia a exclusão das entidades sindicais na regulação das relações de trabalho e consolida negociações individuais admitidas exclusivamente durante o período de pandemia. Extrapola o alcance constitucional do poder regulamentar, invade as competências do Congresso Nacional e fragiliza ainda mais a proteção e as possibilidades de defesa dos trabalhadores, parte mais vulnerável na relação entre capital e trabalho.

Ao revogar o Decreto nº 1572/95, que trata da mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista, e incluir a negociação individual, sem participação sindical, aprofunda o processo de exclusão legal dos sindicatos de momentos importantes da vida da relação de trabalho já acirrado via Medidas Provisórias apresentadas para a pandemia. Ademais, altera disposições da lei do trabalho temporário e amplia as terceirizações, cujo potencial altamente precarizador do mundo do trabalho é reconhecido em muitas pesquisas sobre o tema.

A minuta de decreto submete o processo de revisão da legislação trabalhista à discricionariedade da autoridade ministerial, condicionando-o a políticas e diretrizes do Governo Federal de cada período, contrariando não apenas o primado da estabilidade das relações jurídicas, mas a própria segurança jurídica que deve favorecer não apenas o capital, mas, sobretudo, a parte mais frágil da relação capital e trabalho: os trabalhadores e as trabalhadoras.

Não se trata de simplificação ou de processo de desburocratização que atinge apenas disposições infralegais. Pelo contrário, contempla disposições que desrespeitam normais legais e convencionais bem como direitos incorporados pelo texto constitucional. Por exemplo, o direito ao repouso semanal: ao revogar o decreto regulamentador da Lei nº 605, age em flagrante desrespeito a direitos consolidados e constitucionalizados. Ainda, ao ampliar a flexibilização, atinge as instituições públicas do mundo do trabalho que têm como incumbência dar efetividade à tela pública de proteção social, essencial para o processo civilizatório.

Como se não bastasse, a minuta do decreto traz danos à saúde dos trabalhadores. Com capítulo inteiro destinado às medidas sobre saúde e segurança no trabalho, torna mais inseguras e incertas as relações de trabalho, colocando os trabalhadores em patamares de mais insegurança quanto à própria vida pessoal e familiar. Negligencia os riscos à saúde e à segurança do trabalho em empresas de pequeno ou médio porte ao estabelecer prioridade exclusiva para riscos de morte ou incapacitação permanente o que, além de atingir gravemente a atuação dos sistemas de fiscalização (auditores-fiscais e procuradores), traz risco à própria higiene e saúde do trabalho, acirrando a dramaticidade do já vivenciado nessa área. Ademais, acaba por atingir a própria demanda por consumo, importante para a dinamização da economia,

É inaceitável que, em cenário de profunda vulnerabilidade dos trabalhadores e em plena pandemia, um decreto venha atingir negativamente a proteção sindical. Mesmo assim, o decreto insiste em afastar os sindicatos e a valorizar as negociações individuais, prevendo implementação de ferramentas eletrônicas ou digitais para fomentar a composição individual em conflitos trabalhistas que visem à redução da judicialização, com espaços reforçados para que a lei do mais forte prepondere.

A minuta do decreto interfere também no poder de regulação de conflitos e nas relações atinentes à vida sindical, contrariando a Convenção nº 154 da OIT. Caso os sindicatos consigam aprovar, nas Câmaras Municipais, normas favoráveis sobre o trabalho aos domingos, poderão ser atropelados por disposições distintas.

Para completar esse leque de situações que mais atingem os que necessitam de proteção social, a minuta do decreto representa mais um ataque ao trabalho científico de pesquisa, já bastante atingido pelos impactos da Emenda nº 95, que congelou o teto do gasto público por vinte anos, trazendo regras supostamente simplificadoras à emissão das RAIS. Regras essas que, além de subordinarem a metodologia a ser aplicada, as periodicidades, as formas de aferição e de captação dos dados ao Ministério da Economia, suprime a multa prevista para o não preenchimento das RAIS, fortalecendo, assim, o poder discricionário do empregador que poderá, sem ônus pecuniário previsto, não as preencher. Enfim, essa relevante fonte de dados poderá ser desfigurada, prejudicando as pesquisas sobre o mundo do trabalho, insistentemente desvalorizadas pelo atual governo.

São intoleráveis e inaceitáveis os graves danos impostos aos trabalhadores sob o falso argumento de uma sistematização ou simplificação de normas infralegais. Trata-se de decreto que, extrapolando os limites legais, convencionais e constitucionais previstos para medidas dessa natureza, como a Nota Técnica endossada específica, está fundamentado na mesma lógica que estruturou a “reforma” trabalhista vigente desde novembro de 2017, que, aprovada sob a promessa de ampliação dos postos de trabalho, integração dos informais e dos terceirizados ao campo de proteção social e aumento de produtividade, não logrou cumprir com tais promessas. Ao contrário. Os dados da PNAD–C e a realidade das ruas evidenciam a falácia dos argumentos que levaram à aprovação daquele texto.

A própria consulta não pode ser aceita e nem tolerada, por desrespeito às regras e ao sistema vigente em nosso país, consulta essa que não logra superar os graves vícios que esse decreto apresenta. A consulta nada mais é que uma ofensiva estratégia, voltada a criar um disfarce para o caráter nitidamente autoritário e flagrantemente inconstitucional que caracteriza a iniciativa de se tentar legislar por decreto

Por fim, as entidades listadas abaixo declaram seu compromisso com o Estado de Direito, com a democracia e a busca da superação das desigualdades sociais e com a Justiça, que deve assegurar condições mínimas para que os trabalhadores e trabalhadoras deste país tenham direito a um trabalho digno e ao respeito a seus direitos. Nesse sentido, uma única palavra resume nossa posição frente à minuta e à consulta: NÃO.

10 de fevereiro de 2021

ENTIDADES INTEGRANTES DO FIDS, SUBSCRITORES DESTA NOTA

 
Associação Americana de Juristas – AAJ Rama Brasil
Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET
Associação dos Funcionários do BNB (AFBNB)
Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA
Central de Sindicatos Brasileiros – CSB
Central de trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB
Central Sindical Popular – CSP Conlutas
Central Única dos Trabalhadores – CUT Brasil
Confederação dos Servidores Públicos do  Brasil – CSPB
Confederação Nacional  dos Trabalhadores na Saúde – CNTS
Confederação Nacional dos Metalúrgicos – CNM
Confederação Nacional dos Servidores Federais – CONDSEF
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação – CNTE
Confederação Nacional dos trabalhadores da Industria Grafica – CONATIG
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social – CNTSS
Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Credito – CONTEC
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE
Confederação nacional dos trabalhadores na indústria – CNTI
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT – CONTRACS/CUT
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho – DIESAT
Federação de Sindicato de Trabalhadores Técnico administrativo das Instituições de Ensino Superior Pública do Brasil – FASUBRA SINDICAL
Federação dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico no Estado de São Paulo –  FEM-CUT/SP
Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico da CUT no Estado de SP – FETQUIM/CUT
Federação dos trabalhadores no Comércio do DF – FETRACOM DF
Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina – FECESC
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE)
Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Telecomunicações – FITRATELP
Federação Nacional dos Petroleiros – FNP
Federação Sindical e Democrática dos Trabalhadores Metalúrgicos – FSDTM/MG
Federação Única dos Petroleiros – FUP
Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização
Intersindical Central da Classe Trabalhadora
Nova central sindical dos trabalhadores – NCST
Sindicato dos Bancários de Santos e região
Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região – SEEBSP
Sindicato dos Empregados no Comércio do DF – SINDICOM DF
Sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos e região
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – SMABC
Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro – SINDIPETRO-RJ
Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas e Osasco
Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal – SINTTEL DF                                                   
Sindicato dos trabalhadores químicos do ABC
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN
União Geral dos Trabalhadores do Estado do Rio Grande do Sul – UGT/RS