Elas enfrentaram até as ameaças contra o povo indígena para reivindicar suas terras, o respeito à cultura, educação, saúde de sua gente e também o fim da violência contra a mulher
A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas pelas ruas de Brasília, nesta terça-feira (13). Com adornos de penas e corpos desenhados com pinturas que expressam suas identidades, cerca de 10 mil mulheres indígenas, representando mais de 300 povos, ocuparam a Esplanada dos Ministérios para reivindicar suas terras, o respeito à suas culturas, educação, saúde e o fim da violência contra a mulher.
“Tivemos que parar as plantações, as produções para estar aqui lutando pela sobrevivência”, disse Glicéria Tupinambá, da aldeia Serra do Padeiro, no sul da Bahia. Glicéria, que viajou um dia e meio de ônibus para chegar à capital do Brasil e marchar ao lado de suas parentes, falou categoricamente: “Queremos um Brasil que reconheça nossa vida e os conhecimentos tradicionais dos saberes que nascem com a gente”.
Glicéria Tupinambá na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília
Com apenas 18 anos, Maikelle, que também é Tupinambá, não mediu esforços para estar na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. A jovem tem na ponta da língua a resposta do porque estar na manifestação: “A gente quer ser ouvida e dizer que também temos direito de ter saúde, educação e viver sem preconceito”.
Maikelle Tupinambá se preparando para marchar pelas ruas de Brasília
Com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas começou a ser construída ainda há três anos, no Acampamento Terra Livre (ATL) de 2016, sendo consolidada no ATL 2019.
Para os não indígenas, o mote pode parecer difuso, mas o trecho de uma carta do Cacique Seattle, escrita em 1850, ao presidente dos Estados Unidos, ajuda a entender o valor das terras para os povos indígenas.
“Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro: cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho”. Confira aqui a íntegra da carta do cacique.
Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), explica que “a Constituição Federal rompeu um paradigma antigo que via a questão indígena como uma questão temporal de integração dos índios à sociedade. E ao fazer isso, ela reconheceu o direito desses povos de viverem como povos indígenas e deu a eles direito ao território que habitam”.
Segundo a pesquisadora, o governo vai na contramão da lei quando propõe “levar para dentro das terras indígenas as atividades que não são tradicionais”.
“O presidente fala que entende o que é a questão indígena sem a gente ter conhecimento de quantas vezes ele foi a um território indígena, quantas oportunidades ele teve de fazer o diálogo com os coletivos indígenas e não apenas com alguns indivíduos”.
De acordo com ela, “é uma visão muito restrita achar que a perspectiva de vida do índio é de que ele deixe de viver do modo deles para viver no nosso modo. Aliás, quando os povos indígenas estão vivendo do nosso modo, eles estão em periferias, são levados a uma situação de pobreza que muitas vezes não enfrentariam em seus territórios originários”, afirma.
De acordo com a parlamentar do Equador Encarnacion Duchi, de origem indígena, a luta pelo respeito às terras é internacional. “No Equador dizemos que somos as filhas da resistência, e que nós mulheres vamos levar a luta de nossas avós, pois nossos filhos necessitam e têm direito a viver em um espaço são, a ter seu próprio território, a ter educação, a ter acesso aos meios de comunicação, a estar presentes dinamicamente nos espaços públicos”.
“É por isso que venho do Equador somar-me à luta de vocês. Sem dúvida, os povos e nacionalidades indígenas da América Latina têm as mesmas necessidades, os mesmos problemas, e por isso temos que estar organizadas, dizendo em voz alta: aqui estamos para defender nosso território.”
Caminhada
Às 7h desta terça-feira (23), mulheres indígenas acampadas no gramado da Funarte começaram a organizar sua 1ª Marcha. Cantos. Danças e gritos de guerra eram ouvidos em todos os locais do amplo espaço.
O movimento, pela importância e urgência, recebeu o apoio de representações internacionais e parlamentares, entre eles a deputada Joênia Wapichana, a primeira indígena a ser eleita para a Câmara dos Deputados.
“Nós viemos para ficar. Viemos para mostrar que temos a sabedoria dos nossos ancestrais e estamos usando desse conhecimento. Viemos para dizer não a Bolsonaro, não à mineração, não ao retrocesso”, disse na concentração da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas.
Perto das 9h, cerca de 10 mil mulheres indígenas e apoiadores da causa desceram em marcha rumo ao Congresso Nacional. Antes, em frente ao Museu Nacional da República, elas se somaram a manifestantes que participavam dos atos do Dia Nacional de Mobilizações, Paralisações e Greves em Defesa da Educação e da Aposentadoria. De lá, seguiram em unidade até o gramado que fica em frente ao Congresso Nacional, onde foram feitas falas políticas. “Se não pode com as mulheres indígenas, não assanhe o formigueiro”, disse uma das manifestantes, de cima do caminhão de som.
A jornada das mulheres indígenas, iniciada no último dia 9 de agosto, segue até esta quarta-feira (14), quando elas se somarão às mulheres do campo, da floresta e das águas na Marcha das Margaridas.
Fonte: CUT / Escrito por: Vanessa Galassi, da CUT Brasília, e Érica Aragão, da CUT Nacional